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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Ukufa Parte 3



Luana quase morre de susto.
- FÁBIO???!!! O-o que você está fazendo aqui? Como chegou aí em cima?

-Vim te visitar, papear um pouco e te contar uma coisa.
- Me visitar? Então você sabe que lugar é esse? É estranho, simplesmente acordei aqui e achei tudo muito...
-...Tranquilo?
-É... como você sabe? E o que é que você tem pra me contar?
Fábio escutara tudo com um sorriso no rosto achando graça e surpresa ao mesmo tempo. A primeira coisa que percebeu foi a presença da macieira. Não poderia começar melhor. Por isso fez sua chegada em seus galhos. Sua garota e uma macieira. Tudo que ele que ele queria. Mas Luana estava ali e precisava de atenção: 
-Uma pergunta por vez Lu. Vamos com calma.
- Você pedindo calma? quando foi que você virou uma pessoa calma?  
-Engraçado né? Tive um amigo que deu uma força nesse sentido... mas vamos lá Lu, pra começo de conversa você não está mais no mundo que você vivia. Estamos em outro lugar e bem longe. Como eu disse vim pra te visitar e papear um pouco. Me responde uma coisa: você curte macieiras né?
- Cara, eu gosto demais. Você nunca reparou na cesta que fica na mesa da cozinha? Vivia cheia de maçã da roça do meu avô...  e tipo veio a calhar essa macieira, assim que vi simplesmente me deu vontade de sentar aqui. como se meu avô estivesse aqui sabe...
Enquanto Luana falava, Fábio sente um certo arrependimento por não observar certos detalhes importantes pra ela. Não fazia nem ideia da existência de tal cesta na casa dela. sempre que almoçavam na casa dela, ele se concentrava em impressionar os pais dela e sair dali. agora, uma simples cesta é deveras importante pra ela ao mesmo tempo que é simplesmente insignificante pra ele.
-Desculpa Lu, nunca percebi nunca percebi. Mas devo lhe dizer que foi você quem colocou essa macieira aqui...
- Eu? Não me lembro de ter feito isso. Não lembro nem como vim parar aqui...
-Faz parte do Processo Lu. Tem muitas formas de acontecer. Cada pessoa é um caso diferente. Sua mente construiu um lugar só pra você enquanto transitava pra cá. Sei que quer saber onde é "aqui". Essa é a sua nova casa. Inclusive está incompleta ainda.
- O quê? Casa? eu quero ir pra MINHA casa Fábio!!! Seja lá que lugar for esse, se eu construí ou não tanto faz!!
- Lu, lembra que falei sobre estarmos em outro mundo? Agora que seu espirito se acostumou sua mente agora precisa aceitar. Você não pode voltar porquê não há mais vida no seu corpo. 
- Então é verdade. Eu... morri... Por isso que foi tudo tão "do nada"... meu primeiro pensamento era me perguntar se estava no céu... aqui é o céu Fábio? E porquê você apareceu? Você é real?
- hahhahahahaha Sim Lu, eu sou real. antes de você, eu morri mas eu tenho a função de guiar as pessoas. pra você ter uma ideia eu estou  nesse exato momento com mais 215 mulheres e 318 homens com a sua idade só aqui no Brasil. Sem contar todos os outros. É divertido e triste ao mesmo. Uns aceitam de bom grado, outros se negam, alguns ainda se apegam de tal forma que tentam possuir outros corpos. É horrível Lu. mas tem os que recebem como um alívio e felicidade.
-Nossa eu nem sabia que você tinha... como foi? e tipo, eu vou ficar aqui pra sempre? e só?
-Acidente de carro eu acho, mas isso não tem importância mais. Essas decisões é você quem vai tomar. mas no fim das contas será como você deseja. No fim do Processo você estará feliz e tranquila. Se aqui é o Céu é uma dessas escolhas.Você ficará bem Lu. Você não estará sozinha. A não ser que você queira. Aqui é sua casa. Agora preciso deixá-la. Antes um comentário: sabia que também sou louco por macieira?
Luana ia esboçar uma resposta mas tão rápido como chegou Fábio se foi. Ela queria se despedir, falar do relacionamento desgastado deles e que apesar de tudo sentia saudades. Mas por outro lado sabia que não era o mesmo Fábio, pelo menos não completamente. Algo de Fábio se perdeu na sua nova função. Ia pensar muito sobre isso mas agora queria arrumar sua nova "casa" já que aceitou tão bem sua nova condição. Ao se virar de costas tão surpresa quanto admirada só pôde rir e apreciar o mar de macieiras que agora se encontrava na sua frente. 
Pegou uma maçã e deitou na grama fechando os olhos. 

-Cleyton Vidal

E Com Vocês...



Estávamos sentados à mesa do jantar comendo as batatas que sua mãe à pouco cozinhara, olhar para ele ali em minha frente dizendo coisas que pouco me importavam era estanho, sempre fiz isso, mas desta vez soava como um egoísmo forçado de minha parte. Nada era igual há sete anos, ele parecia mais jovem e carregava em si uma energia invejável, enquanto eu apresentava o semblante cansado de uma velha esclerosada, mas não era um cansaço físico, era algo mental, como se minha mente não processasse mais tudo aquilo que ele dizia. Eu só precisava olhar, observar seus lábios mexendo ritmados enquanto seus olhos arregalados acompanhavam o compasso de sua cabeça que subia e descia numa forma de código para saber se eu estava entendendo ou não. Minha cabeça respondia que sim. Porém por dentro eu só conseguia pensar cala-a-boca-seu-cretino. Por muitas vezes pensei comigo mesmo enquanto ele fazia seu interminável monólogo sorte-sua-que-eu-te-amo, e talvez seja sorte mesmo, uma sorte filha da puta que eu saiba de tantas falhas e ainda continue me deitando com ele todas as noites, que eu ainda ouça coisas que para mim não fazem o menor sentido, mas continue concordando com a cabeça para ver aquele sorriso de satisfação enquanto só quero que se cale. O jantar meio improvisado demorou de chegar ao fim. Enfim colocamos os pratos sobre a pia, eu sabia exatamente onde aquilo iria acabar, ou melhor, não iria, nada acaba quando se trata de nós, fica tudo pairando como uma interrogação solta num papel A4, sentei-me na cama cruzando as perna estilo indiozinho enquanto ele trocava de roupa para dormir. Esperei que parasse em minha frente já de pau duro e me pedisse para chupá-lo, não o fez, fiquei olhando com a cabeça baixa e os olhos virados para cima, código perfeito para dizer quero-te-chupar sem ter que dizer quero-te-chupar. Fico feliz quando ele entende sem precisar dizer, apenas vem, coloca o pau em minha boca, e deixa com que eu faça o resto. Eu poderia chupá-lo a noite inteira, talvez meu egoísmo termine aí, talvez seja aí que eu demonstre meu perdão, o silêncio que paira sobre esse momento de entrega unilateral seja o meu perdão, eu preciso disto, da sua fala hipócrita dizendo que me ama depois de receber um belo boquete, das suas mãos envolvendo-me por completo enquanto dormimos. A noite carrega a angústia de tê-lo de volta, eu poderia ter deixado ir, meu egoísmo me assusta, eu o trouxe de volta e o prendi num mundo no qual ele não cabe mais. Um mundo que não cabe nós dois, que não cabe as suas falas exageradas, mas eu o trouxe. Agora carrego a responsabilidade de ter que perdoar, de ouvir o que não quero ouvir, de sibilar que entendo quando não entendo nada, de amar, de fazer com que não vá outra vez. Talvez eu seja recompensada por isso com mentiras que preciso escutar ou talvez nunca seja, e eu acorde deste engano antes que ele desperte pela manhã muito cedo, e me acorde com um beijo, fazendo que eu mais uma vez desista de tudo e apenas fique.

Ilana Maia


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

E com vocês...



As horas passavam de forma arrastada, o caminhar dos dias ainda não havia se acostumado à sua falta, o cheiro de sua pele permacera em meus cabelos por longos dias mesmo depois de lavados, seu toque, seu jeito de segurar-me os ombros numa tentativa de manter-se sempre perto, mesmo que isto fosse algo perigoso demais. A fala mansa de quem não tem pressa nenhuma de que o dia termine, então ele fazia que os dias fossem intermináveis, sua pele sempre quente em meio ao frio londrino e os beijos roubados às escondidas. Agora o relógio conta os minutos da sua ausência, os ponteiros fazem-me voltar no tempo e ver seu sorriso confidenciando coisas, enquanto falava sibilando suas metáforas eu me imaginava mergulhando em sua face.


O trem não demorava a chegar, a estação lotada dava ainda mais a sensação de nostalgia que a cena exigia, havíamos voltado para o nosso lugar, de onde fugimos durante muito tempo, agora que seu abraço me cabia perfeitamente, me bastava, tivemos que partir. Conforme a chegada do trem se aproximava e as malas pesavam mais do que o normal, pois agora carregavam alguma coisa a mais ali, algo que não me pertencia, percebi que ter olhado as fronteiras do mundo de outra forma fizeram a angústia parecer mais amena. Mas o peso da saudade ficou, saudade das palavras não ditas, das memórias um tanto confusas, daquilo que não houve. Subi no trem, carregando as malas e na cabeça algumas interrogações, esperando o “até logo” que não existiu.

-Ilana Benne

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Preto


Preto não é a minha cor, preto é minha identidade, é meu reflexo no espelho.
Preto tá no meu sorriso, no meu olhar, na minha luta diária.
preto não é preconceito, não é ofensa, é meu orgulho.
pode me chamar de preto, preto não é meu apelido, é meu nome.

-Cleyton Vidal

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

E com Vocês...

O Voo


Sentada na poltrona 419, fitando outros aviões através da janela, Lisa Thompson se questionava o porquê daquele número uma vez que o avião era ligeiramente pequeno.
Na verdade havia muitas coisas estranhas naquele avião, como a estrutura das poltronas, por exemplo, que ao invés de serem organizadas em trios eram organizadas em duplas. A pequena TV da poltrona da frente não ligava para que ela pudesse usufruir dos programas de entretenimento e música. O tamanho do avião era estranho também, pois exteriormente era do tamanho de um Boeing, mas o interior se assemelhava a um pequeno avião particular.
Assim que alguma comissária de bordo se apresentasse, ela procuraria suas respostas.
− Lisa?
Ela virou o pescoço para ver o corredor;
− Henry! Que bom vê-lo! – saudou ela ao ver seu ex-colega de trabalho.
Ela saíra de seu antigo emprego há dois meses e ele ainda trabalhava lá. Tinham uma relação formidável no trabalho.
− Como você está? − Perguntou ele sentando-se ao seu lado.
− Estou ótima! Você vai viajar aí?
 − Sim! Minha poltrona é a 420.
            Antes que Lisa pudesse comentar a estranheza com relação aos números das poltronas, o avião deu a partida. Ele correu pela pista e levantou voo. O nariz erguido pra cima, pronto para rasgar os céus.
− Henry...
− O que foi?
− Estou com medo.
Henry segurou sua mão. Por uma fração de segundo, Lisa sentiu seu coração bater como nos tempos em que trabalhavam juntos, mas reprimiu os sentimentos novamente ao ver na mão dele a aliança dourada. Nunca conhecera a mulher dele, nem mesmo sabia seu nome, mas Lisa sabia que ele era casado.
− Tem medo de voar?
− Não, não é isso. É que nenhuma comissária passou por nós pra conferir os cintos e tudo o mais, não vieram às orientações formais sobre segurança, o piloto não falou conosco... Tem alguma coisa errada.
− Sinceramente, acho um saco aquela vozinha robótica dando essas instruções. Nem me faz falta.
− Mesmo assim Henry...
− Lisa, relaxa! Daqui a pouco nós chegamos, o importante é que estamos bem e...
− FOGO!!!!
          Henry se calou, Lisa se pôs de pé, mas caiu sentada com uma guinada que o avião deu.
O berro viera do meio do corredor no polo oposto. Um passageiro dizia ver fogo na asa do avião e o pânico se espalhava por quem constatava tal informação.
Henry estava pálido e em choque, Lisa chorava mas não gritava, somente pedia a Deus que não a deixasse morrer.
O avião começou a perder altitude.
− Todo mundo calado! – berrou alguém que estava em pé no corredor do avião.
Lisa se aprumou em sua poltrona e viu que o homem tinha uma arma em sua mão.
− Se vocês ficarem em pânico não vai adiantar nada! Berrou o homem que segurava a arma. 
Henry estava chorando agora. Em desespero.
Lisa se perguntava como aquele homem entrara no avião armado, a segurança nos aeroportos era extrema e ele certamente passara pelo detector de metais antes de entrar no avião.
Mas Lisa não se lembrava de ter passado pelo detector de metais. Na verdade ela nem se lembrava de ter feito o check-in e nem de pra onde estava indo. Não lembrava-se nem mesmo de onde estava vindo.
− Henry... Henry olha pra mim!
− Eu não quero morrer Lisa! Eu não quero morrer! Minha mulher... ela está grávida, Lisa! A Christine vai ter um bebê! Eu não quero morrer! – as lágrimas lavavam seu rosto.
O nariz do avião inclinou-se para baixo... era uma questão de instantes para colidir com o solo.
− Henry, por favor! Me responda: Para onde este avião estava indo?
− Para Londres, Lisa! Eu não posso morrer!
− Henry! Por favor, olha pra mim! Isso não é real! Estamos sonhando! Quando esse avião colidir com o chão, vamos acordar em nossas camas, entendeu?
Henry fitava Lisa atônito. Que loucura era aquela?
Lisa não via outra explicação. Aquilo tudo não fazia sentido. Não podia ser real. Nada naquele avião fazia sentido algum.
− Que loucura é essa Lisa?
− Me diga: Você se lembra de ter feito o check-in? De ter passado do aeroporto pra cá?
− Sim! Eu me lembro! A atendente do balcão inclusive era de aparência oriental... eu passei por uma livraria também antes de embarcar...
De repente a teoria que Lisa havia concluído perdera o sentido. O avião mergulhou com tudo rumo ao chão e o desespero de Lisa aumentou. Iria morrer, as pessoas naquele voo não estavam sonhando. Mas... e se somente ela estivesse?
        Então houve fogo. O rosto de Henry desesperado foi a ultima visão de Lisa antes de eles serem consumidos pelas chamas.
         
             Lisa acordou.
          O relógio digital da mesa de cabeceira da sua cama indicava que eram 4:19 da manhã. Estava muito suada e a respiração era ofegante. Agradeceu a Deus por ser apenas um sonho. Por estar em terra firme, por estar sã e salva em Nova Jersey.
Pegou seu celular, tinha o número de Henry e discou. Estava tão impressionada que não se importou com o horário.
− Alô? – atendeu uma mulher.
− Christine...? – arriscou Lisa.
− Sim, e você, quem é?
− Sou Lisa, seu marido e eu trabalhávamos juntos, ele está?
         − Não, ele acabou de sair para uma reunião em Londres, disse que pegaria uma carona no jatinho do seu chefe....
               Lisa verificou as horas novamente. 4:20.

Raphael Costa
http://canecadehistorias.blogspot.com.br/2014/08/o-voo-sentada-na-poltrona-419fitando.html