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quarta-feira, 7 de maio de 2014

Diário de Bordo- parte 2 de 2









VIAGEM: Transportar-se, ir a um outro lugar, percorrer determinada distância objetivando chegar; desligar-se de tudo, refletir, ficar intencionalmente inconsciente


Estamos no terceiro dia e cochilando loucamente no busu lutando para manter os olhos abertos. Estávamos em sentimento misto de cansaço e entusiasmo. Eu estava mais pro segundo pois estava próximo de realizar uma vontade antiga: conhecer uma aldeia indígena. A reserva da jaqueira foi o nosso destino e logo estávamos todos passando vergonha praticando um pouco do que aprendemos de saudações em patxôhã. A trilha muito tranquila dava a ideia de como devia ser o Terra de Santa Cruz "pré-descobrimento". Era muito bom sentir o ar puro e não ouvir buzina de carro ou gente zoando na mente. Não havia chegado na aldeia propriamente dita mas já sentia a energia diferente que residia ali. Quando menos esperamos, já estávamos no lugar onde os visitantes são recebidos. O que veio a seguir foi um dos relatos mais tristes que já ouvi. Imagine você na sua casa e alguém chega e diz que o seu sofá não é mais seu, que sua sala não é mais sua e você tem que sair da sua casa para não morrer dentro dela. Agora adicione armas, sangue e uns 500 e tantos anos. Assim foi o relato da índia que nos deu a palestra. "Não sejam escravos. Estudem", disse o pai dela que morreu de pauladas Cortava o coração ver que uma cultura tão bela e harmônica praticamente se perdeu em nome do lucro e do poder. Para o índio, não existe consumismo, não existe ganância nem essa coisa de ter mais do que o outro. O que eles usam é para o momento necessário, nem mais, nem menos. Se estão caçando e encontram um casal, o macho é abatido porquê a fêmea pode estar prenha e assim matam várias vidas desnecessariamente. Ficou na minha cabeça a pergunta: de onde vem esse valor que temos de acumular para sobreviver? de destruir para construir? de onde vem essa cultura da inveja e da ostentação? o funk já existia em 1500? Mais triste ainda eu fiquei em perceber que eu faço parte desse sistema que destrói essa cultura. não que eu já tenha batido ou ameaçado um índio até porquê sou frouxo que só, mas o meu comodismo de nunca ter pesquisado ou lido sobre eles me fizeram indiferente e insensível. Quando abriram para perguntas não consegui esboçar nada devido aquele nó na garganta que aparece nesses momentos. Quando estávamos indo pra segunda parte da trilha, pedi uma oportunidade para fazer uma foto e tudo que consegui dizer foi: "a sua história precisa ser contada". Ela recebeu a minha fala com um aweri (obrigado) singelo e forte. E aqui estou eu implorando pra todos que leem esse texto repassem de alguma forma adiante pois essa é uma das formas que encontrei de cumprir a minha promessa de contar essa triste e forte história que se não for modificada entrará em extinção. Restabelecido, entrei na trilha para aprender um pouco mais junto com os colegas e mais uma surra de harmonia com a natureza e criatividade sem destruição exacerbada, com um pouco mais de leveza dessa vez. O nosso guia sempre bem humorado e piadista nos explicava tudo com muita tranquilidade enquanto mostrava as armadilhas que eles utilizavam quando caçavam. Como não poderia deixar de ser, um pouco de arco e flecha e pintura corporal. Ver o ritual de agradecimento foi maravilhoso, mas participar desse mesmo ritual foi épico, a energia compartilhada foi realmente fantástico só não entendia nada da letra mas esperava o que? tecla sap? O momento de bate papo e zoera intercultural fechou com chave de ouro a realização desse sonho. Deixei lá a minha alegria de estar lá e levei entre outras promessas a de voltar lá e comer peixe conhecê-los mais. 
Depois do almoço era hora de matar uma saudade e conhecer mais um ponto famoso em qualquer cidade litorânea: a praia. Depois desses dias intensos foi mais que necessário sentir o mar, mesmo que um pouco agitado. Deu pra sentar um pouco, rir um pouco e andar estupidamente muito com meu irmãozinho Mateus. A praia era enorme mas aceitamos o desafio de andar pra ver se chegaríamos no ponto escolhido. Papeamos sobre a viagem em si, impressões gerais e pessoais, fizemos algumas fotos para a posteridade enquanto o sistema não me obriga a cortar o cabelo. Chegamos no ponto escolhido mentira!!! e ao voltar percebíamos o quanto a viagem havia nos modificados em todos os sentidos. Percebi que ali a minha viagem havia cumprido a sua função e que estava retornando pra casa transformado. Restava pra gente agora registrar o belo por-do-sol que era o ultimo presente que Porto Seguro nos dava antes de irmos. À noite, o ultimo passeio, mais cachorro- quente com a equipe dogão agora com mais membros e um belo forró na praça onde risy tava mais elétrica do que pilha alcalina nos divertimos muito e celebramos mais uma viagem e mais uma oportunidade de nos conhecermos mais. Voltamos para o hotel e organizamos com calma as regras do Uno o que deixou Risy mais tranquila para nooossa alegria
Não há o que falar muito do trajeto de volta fora o fato de eu comer mais de 1kg no almoço e descobrir que a galera de matemática tinham amigos e parentes em Porto Seguro. Todos muito cansados dormindo a viagem inteira e vendo filme e desenho em alguns momentos. Ao chegar em  Feira havia aquela sensação que tudo na cidade havia mudado, que estava  em uma outra cidade. Na verdade era o inverso. Outro Cleyton que havia chegado, eu estava muito diferente.

Mas meu aprendizado estava apenas começando...      

Por Cleyton Vidal  





Um comentário:

  1. Woow ! Q olhar ... percepções de dentro pra fora e de fora pra dentro !
    Amei as fotos ... em especial a primeira! Parabéns !
    Escrevendo assim vc vai ganhar uma caixa de caneta, um pacote de A4 e 2L de Coca - ou Pepsi... pode ser ?! :)

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