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quarta-feira, 21 de abril de 2021

Harpia- parte 4

 



A ansiedade é um sentimento louco. O cérebro avisa para o resto do corpo para um perigo iminete, uma situação ruim, uma atitude errada... O corpo obedece regras próprias deixando pouco espaço para a consciência. Marcelo nunca teve tanto contato com esse sentimento quanto nos últimos dias. E não é pra menos. Com pessoas próximas morrendo das mais diversas formas, é dificil ficar tranquilo. Cada ida ao trabalho, cada passeio (cada vez mais raro) ao parque era uma aventura da qual não tinha a mínima certeza se ia voltar. Seu psicólogo disse que pessoas morrem todos os dias. E pessoas ricas não escapam do inevitável infortunio. "Reconheço a coincidência" ele falou com uma tranquilidade tediosa e irritante. "Mas já passaram 6 meses Desde a morte de Fabiana. Não tem mais perigo. Se era assassino em série, deve ter desistido, conseguido o que queria ou morrido. De toda forma, você pode ficar traquilo e dormir em paz. Liberte-se do luto" 

Marcelo tinha vontade de gritar que não era luto porra nenhuma. Seja lá quem for, ainda estava por aí. E ele era o próximo. E a qualquer momento iria acontecer. E o desgraçado do psicologo não entendia nada. Já não fazia sentido aquela maldita hora semanal que ele pagava. Se era pra ouvir mentira e ladainha que fosse de alguma acompanhante. Pelo menos ela daria algum prazer enquanto mente. 

A respiração ofegante de Marcelo não aliviava mais ao sair do consultório. O coração parecia uma marreta batendo no peito. Sabia o que tinha que fazer: ir pra casa, tomar seu calmante torcendo pra não exagerar na dose, e dormir. dormir muito. Perdido em seus pensamentos e na sua batalha interna, mal notava quem entrava e saia ao longo dos 10 andares. Nunca prestava mesmo... Mas hoje, especialmente poderia entrar o Papa que ele não notaria. A voz calma e tranquila, quase que conhecida surgiu às suas costas como um toque suave nos tímpanos em meio a todo esse pesadelo: 

- Ansiedade? 

Não esperava por aquilo. Mas veio em boa hora. Lembrou que estava em um elevador e que precisava organizar os pensamentos. Precisava se controlar: 

-Sim. é uma merda isso. 

A voz, inalterada na entonação e numa firmeza feminina era um alento agradável cuja dona parecia saber o que estava fazendo. 

- Certeza que é. Água? 

-Aceito. Valeu. Me leva até o carro? 

- Claro. 

Bebendo a água com seus animos semialinhados, Marcelo sabia q teria que dar alguma coisa em agradecimento à boa samaritana. Odiava dever algo a alguém e não seria dessa vez que isso ia acontecer.  Mal tinha terminado de solver os 500ml de vez e a porta do elevador se abriu dando para o estacionamento. Saindo, ouviu os passos atrás de si da sua benfeitora misteriosa e resolveu entregar a garrafa enquanto à agradecia. Aliás... agradecer o que? uma fala mansa e uma garrafa de água? Percebeu que não precisava agradecer. Mas daria um agrado qualquer ou chamaria pra sair caso fosse bonita o suficiente. Ao se virar com sua habilidade automática de escanear o corpo feminino pegou uma combinação tosca de sobretudo e calça cargo preta, um all star surrado e uma blusa comprada em algum brechó qualquer. As mãos nos bolsos do sobretudo somada a uma postura ereta davam um ar que ratificavam a firmeza da voz. Ao subir o olhar, seus olhos se encontravam não com os de uma benfeitora, mas com os de alguém que estava pronta para um abate. O sorriso de alguém que já ganhou. O andar calmo de quem sabe o que faz. Reconheceria a harpia bordada no boné que ela usava, não fosse uma tontura súbita que tirou a sua percepção. Ainda com a mesma cortesia, ela o ajudou a ir até o carro. 

-Quem é você? - Marcelo tentou um último esforço mental e fisico. 

-O pássaro que vocês não queriam no ninho.        

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