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terça-feira, 30 de agosto de 2016

Harpia- parte 1




A noite chuvosa ensopava o sobretudo que, mesmo sob a proteção do guarda-chuva oferecia o mínimo de proteção. Por sorte era uma das malditas chuvas de verão que eram eram comuns, quase que diárias em Dezembro. Mas não era a chuva que irritava o vereador, e sim a espera que consumia quase que 30 min de seu precioso tempo. Estava ansioso para voltar ao motel, se reunir com a sua secretária e só depois voltar para casa. Mas esse encontro era mais importante no momento. Importância tal que o fazia esperar longos  trinta minutos debaixo de uma maldita chuva que lhe instigava os piore sentimentos. Mas enfim ele chegou. Também de sobretudo e guarda chuva, vinha andando calmamente como se a chuva lhe trouxesse sensações agradáveis, contrariando ainda mais o vereador que só queria sair daquele inferno molhado. Estranhou por um momento que Júlio usava um boné com algum desenho estranho e óculos como que tentando disfarçar o rosto usando um disfarce clichê de filme policial. "Eu tinha que fazer negócio com principiante" pensou o vereador querendo ainda mais sair dessa situação antes incômoda, agora perigosa. Bastava uma foto tirada de algum celular para comprometer sua vida política e pessoal. Aliás a sua e de outros nobres colegas. Era a primeira vez que via Júlio pessoalmente sendo que até então usavam redes sociais para conversar o que deixou ainda mais forte o ar de estranheza do momento. Enquanto se aproximava, viu o quanto uma pessoa pode ser tão diferente quando comparada com uma foto. "Por isso que odeio essas porcarias. Mas dane-se quero acabar logo com isso. Cíntia deve estar impaciente no quarto e não quero ladainhas hoje". Os pés do vereador agora estavam como uva passa de tão molhados que estavam no sapato. Para essa ocasião havia pedido para Cíntia comprar um par de sapato descartáveis de camelô para poupar os usuais de trabalho. Ignorando esse fato foi andando ao encontro de Júlio com uma das magras mãos no guarda-chuva e o outro no bolso do sobretudo retirando um bolo de papéis envolto num plástico. Uma ultima olhada nervosa para certificar-se de que nenhum terceiro olhar estava por perto, o vereador inicia a conversa: 
- Júlio. 
-Vereador Santiago. 
Voz mansa e suave, diferente da que ele imaginava. Mas prosseguiu, quanto menos conversa, mais cedo terminava o negócio. Notou que Júlio também colocou a mão no bolso. Retirando os papéis adiantou: 
-  Aqui está. Todas as rotas e viagens lembrando que todos podem sofrer alterações. Cadê o dinheiro? 
Quando a mão de Júlio saiu do bolso, em vez do dinheiro uma Desert Eagle com silenciador. No rosto, um sorriso ao mesmo tempo tranquilo, prazeroso e... lindo. Júlio tinha um belo e fino rosto que os óculos e o boné escondiam. Foi nesse momento que percebeu que...
-Uma mulher. Você é uma mulher!! 
- Desde que nasci, Me entregue as rotas. 
Santiago estava num misto de surpresa e medo: 
- M-m-mas quem é v-você? 
- Com toda a sua perspicácia ainda não percebeu vereador? Enquanto falava ajeitou o boné chamando a atenção do vereador para o desenho que estava nele deixando-o mais admirado do que antes: 
-Não! v-v-você  deveria estar...
Era uma noite de surpresas, e essa última encerrou ao mesmo tempo a noite e a vida do vereador. Dor no peito. Sangue. Sorriso e o boné. Cujo desenho ele jamais esquecera.Cujo desenho ele achava que jamais veria. Cujo desenho ele levará para o além-vida.
O desenho de uma Harpia.      

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