Páginas

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

E com vocês...

Abolição?


Soou um estampido claro e dissonante
Das momescas canções entoadas no umbral
Da passarela dos blocos de carnaval:
O rosto negro, a mão branca, o som lancinante.


Do olhar, a resignada inércia suplicante
Ecoou em mim mais dolorosa afinal.
Não a dor da violência física, carnal,
Mas da inépcia de me sentir seu semelhante.


De lágrimas, marcados os dedos na face
Negra, tal qual a noite que se debruçava
À púrpura que se evolava do barranco,


Trouxeram à luz uma era sem desenlace,
Que, na pele escura, o seu flagelo gravava;
Na clara, insculpia a vergonha de ser branco.


(Guilherme Amorim)

Um comentário:

  1. É engraçado como um texto ou um poema caem em nossas mãos para ser feita a leitura, é incrível e emocionante quando acabamos de ler e percebemos que nada tão bom foi lido ultimamente. Demoraria muito para explicar a diferença entre poema e poesia, mas direi com toda minha humilde certeza que este poema tem a mais linda e profunda poesia. Cada frase é composta por uma imagem de dor, vergonha e tristeza, mas também é composta por beleza, compaixão e solução. Nenhuma dor poderia ser tão linda, quando transformada em poesia. Sempre que leio uma coisa boa, passo por um longo processo de 'degustação de palavras belas' e com certeza essa será a minha mais longa degustação e apreensão das belas palavras. O que posso pedir é mais, mais poemas e palavras como estas, quando sabemos fazer uma coisa o que não devemos é parar de fazer, assim como você não deve parar de escrever. Parabéns!

    ResponderExcluir